Lembro-me bem do dia em que nos
conhecemos, éramos completamente estranhos um ao outro, mas no ar despontava um
certo quê de afinidade instantânea difícil de explicar para quem nunca sentiu
isso. Conversávamos futilidades indo da política nacional ao corpo escultural
da colega de classe.
As garotas suspiravam pelo novato de
Raybun, que declamava poemas em voz alta, tocava violão e fumava cigarros, era
um Bad boy engraçado que num dia futuro, um professor definiu irritado como um
rebelde sem causa, e era mesmo.
Com o tempo fomos nos aproximando,
através dos leves porres e do agrupamento de amigos que foi se tornando comum,
em questão de meses éramos todos irmãos embriagados, caminhado cambaleantes
pela rua cantando Guns n’ Roses e achando que nos conhecíamos tão bem quanto as
palmas de nossas mãos, vez ou outra discutíamos acaloradamente, quase chegando
ao ponto de sair aos tapas, mas logo em seguida íamos para o boteco rir de tudo
como se não passasse de uma brincadeira de crianças imaturas tentando ser
adultos que não éramos.
Nos apaixonamos pela mesma mulher, foram
tempos difíceis, vivemos a nossa Guerra Fria, onde nos falávamos por educação, mas
no fundo tínhamos uma vontade tremenda de duelarmos até a morte pelo amor de
uma moça que te preferia, e o curioso é mais tarde você me confessar que desejou
a minha morte, morri de ri, pois além de fazermos parte de um triângulo amoroso
em que eu era a parte mal amada, coisa que me causou muito sofrimento, eu ainda
tinha que morrer. Superamos isso.
Enterramos uma das melhores pessoas que
já tivemos o prazer de conhecer, choramos pra caralho, mas enxugamos nossas
lágrimas e seguimos em frente, sempre a olhar para trás vez ou outra, lembrando
do quanto ele foi importante para nós, e olhando para o lado, desejando que
isso demorasse bastante para acontecer novamente, pois nos demos conta da pior
maneira que os amigos são fundamentais na vida de um homem e que quando eles se
vão fazem muita falta.
Aprendi a tocar violão por pura inveja
de você, ficava indignado quando via as pessoas te darem atenção enquanto você
tocava e nem ao menos olharem para mim, sempre fui meio egocêntrico, então arranjei
um emprego, comprei um violão e aprendi, sou grato á você por isso, pois sem
você provavelmente hoje eu seria um analfabeto musical.
Me magoei com você vez ou outra, e
acredito que também te magoei, normal quando as pessoas se conhecem bem,
acredito que hoje o nosso grupo se conhece tão bem de uma forma que nem mesmo
nossos familiares nos conhecem, pois quando estamos reunidos, não temos medo de
ser o que somos, falarmos o que bem quisermos e entender, por termos a certeza
de que não seremos repreendidos.
Em contrapartida, tivemos momentos antológicos,
daqueles que daqui a 50 anos lembraremos com um sorriso no rosto, e não conseguiremos
explicar para alguém, porque só quem estava lá será capaz de entender.
Inevitavelmente seguimos por rumos
distintos, você nos abandonou tornando-se exatamente aquilo que abominava, fico
feliz por sua felicidade, mas triste por olhar pra você e chegar à conclusão de
que aquele cara do Raybun lá atrás não existe mais, ás vezes olho em seus
olhos, e lá no fundo vejo que ele ainda está lá em algum lugar remoto, tentando
se conformar com a nova roupagem que foi sendo paulatinamente coagido a vestir.
Lembro de você ter ficado chateado
quando eu disse uma vez que se eu ainda tinha alguma consideração por você, era
em razão da pessoa que você havia sido, e não da que havia se tornado. A verdade
é que você é uma pessoa maravilhosa, me expressei mal. Eu devia ter dito amigo
ao invés de pessoa. E repito que se hoje com certo receio o considero como
amigo, é em respeito à boa lembrança que tenho cada vez mais distante do cara
que tocava vilão e jogava sinuca comigo vez ou outra.
Por outro lado entendo que cada pessoa
tem o seu caminho, e por mais que as amemos, uma hora a encruzilhada chega e
temos que nos separar. Acredito que a vida é uma oportunidade dentre tantas que
recebemos no decorrer da eternidade para evoluirmos e um dia nos tornarmos
dignos do Criador, que a maioria das pessoas chama de Deus. E que as pessoas
que encontramos nessa Starway to Heaven ou Infinita Highway, tornam a estrada
mais agradável contribuindo com o nosso progresso. Saiba que você e os nossos
amigos (que você esqueceu) contribuíram muito para o meu progresso como ser
humano, e espero de alguma forma ter contribuído com o seu.
Te amo e morro de saudades da sua
amizade, que por mais que você diga que ainda a temos e eu me force a
acreditar, eu não sinto. Gostaria muito de poder te visitar, mas por uma
questão de reciprocidade e orgulho eu não consigo. Se um dia precisar de mim,
apesar de tudo, conte comigo.
P.S: “Eu suportaria embora não sem dor, a
morte de todos os meus amores, mas não suportaria a morte de todos os meus
amigos.” Paulo Santana