Era apenas mais uma manhã daquelas em
que acordava ao lado da mesma mulher há 25 anos, ele sempre acordava primeiro,
sentava-se um instante olhando a janela com o olhar perdido num passado de
possibilidades e escolhas que haviam o levado até ali.
Clara era uma ótima pessoa, era
inteligente, divertida e ainda bonita e atraente para a sua idade, ele gostava
do jeito que ela sorria enquanto dormia e tinha por hábito observá-la por horas,
às vezes até ela acordar, ela sempre parecia estar tendo um sonho bom. Ele
sabia que a paixão há muito tempo havia se esvaído, e por vezes se perguntava
se ainda a amava de fato ou se tudo aquilo era um hábito repetido ao ponto de
se tornar aparentemente essencial a sua vida.
Tinham dois filhos, um menino e uma
menina, que já eram um homem e uma mulher. Giovanna se casou assim que
terminou a faculdade, tinha uma menina linda chamada Melissa. Já Carlos era
exatamente o que ele queria ter sido, era um boêmio, libertino que não se
prendia a amores além do amor de viver uma boa vida.
Se levantou indo até o banheiro, e
resolveu se barbear antes de fazer o café, olhava atentamente no fundo de seus
olhos castanhos e sentia como se o seu reflexo de 50 anos falasse através
disso, e ele dizia algo como:
‘Que
coisa hein velho! Olha só pra você? Era exatamente isso que você queria?
Filhos, casa, carro, dinheiro no banco e um American Way of Life? O que você
seria hoje se tivesse seguido o outro caminho? Se não tivesse se casado e dado
uma volta ao mundo como sonhava? Se tivesse escolhido Kamila ao invés de Clara?
Responde!
Está feliz com isso tudo?’
Quando não era o reflexo era a sua
voz interior, quando não era a sua voz, era o silêncio e quando nenhum e nem
outro, era o som do vento fremindo as arvores, mas tudo parecia falar com ele,
interrogando-o sobre si mesmo perguntas que sabia as respostas, mas não queria
admitir, como admitir que um caminho escolhido em detrimento de outro 25 anos
depois estava errado? Agora tinha filhos, netos, uma ótima esposa e tudo o que
sempre disseram que faria uma pessoa feliz. Mas de alguma forma ele não se
sentia feliz, é provável que sentisse exatamente a mesma coisa se estivesse
agora no lugar que o outro caminho o teria levado e isso o angustiava
profundamente. Pois sentia que não havia alcançado o seu potencial máximo como
pessoa, que aos 50 anos não havia chegado onde poderia chegar, mas tinha a
certeza de que não estava feliz com ponto onde estava, mas agora era tarde,
outras pessoas estavam envolvidas e tudo estava estruturado de um modo que já
era extremamente tarde para mudanças, já estava velho demais para mudar.
Ouvia uma das boas músicas de sua
juventude em volume baixo para não acordar Clara e Carlos enquanto fazia o
café, respira e inspirava profundamente em meio àquele turbilhão de pensamentos
cruciantes que insistiam em maltratá-lo, dia após dia, ano após ano... Mas já
era tarde.
-Hum!
Esse café está cheirando. Senti lá no quarto!
-Bom
dia querida!
-Bom
dia meu bem!
-Você
sempre acorda com o cheiro do café – disse ele rindo docemente.
-E
você sempre insiste em me acordar assim.
Ele
retribui se aproximando e dando-lhe um beijo no rosto.
-Vou
escovar os dentes, não se esqueça do almoço no Country Club mais tarde.
-Okay!
E aquele foi mais um dia como tantos
outros, com as mesmas coisas, mesmas pessoas e tudo o mais de sempre. E não sei
se isso passou ou se ele continuou sentindo isso tudo até a sua morte de fato,
pois ele de algum modo já estava morto.